domingo, 6 de novembro de 2022

Entre palavras e imagens, bastidores do tempo.

Desde quando eu era pequena desenhar é uma das atividades as quais mais dedico tempo: com 5 anos, lápis, papel e guache eram meus passatempos favoritos. Com 12 anos, criei um blog e passei dois anos escrevendo sobre moda, viagens, jogos, aplicativos e outras mil coisas que eu não conhecia o suficiente para escrever. Não foi em vão: descobri aí que eu amava brincar com as palavras. Quando chegou na época dos vestibulares, me deparei com muitas perguntas.

Jornalismo ou artes visuais? Escrever ou desenhar? Por algum tempo eu sofri com a ideia de que era preciso escolher o caminho da palavra ou o caminho da imagem. Como escolher uma coisa se isso significaria deixar outra que tanto amo de lado? Eis uma incorporação da tão conhecida dualidade ocidental. Pra minha sorte encontrei no cinema de animação um ótimo intermediário entre palavras e imagens. Forma e conteúdo poéticos cabem dentro do cinema e pra mim isso já bastava. Mas como isso aconteceu? Te conto...

Fotografia da Natalia pequenininha


Nunca fui cinéfila, sempre preferi os livros com imagens aos filmes. No entanto, a animação em stop motion entrou na minha vida acidentalmente quando eu estava escola. Eu precisava fazer um trabalho de sociologia no qual o conceito de "sociedade líquida" do sociólogo Zygmunt Bauman fosse explicado num formato audiovisual. Na experiência de pensar, roteirizar, fotografar, animar, editar e sonorizar, ocasionalmente descobri algo que

eu amava fazer: animação. 

Caracol, Nat Grego, 2020
Caracol | Fotografia | Nat Grego, 2020
 Sempre gostei tanto do making of quanto do filme finalizado. Na verdade, muitos filmes eu gostava mais do making of  do que da obra final e essa experiência com animação apenas evidenciou minha inclinação. O mecanismo de criação manual me cativou, o apelo formal e estético também. Com esse trabalho da escola, descobri que estar nos bastidores de uma produção me alegrava muito, pois eu sentia que fazer uma animação era tão bom quanto assisti-la finalizada. Nesse trabalho eu podia recortar, costurar, modelar, fotografar, desenhar, escrever, pintar, colar, animar, editar e colocar várias habilidades à serviço de uma peça artística. Nessa época eu estava muito interessada pela biografia de Leonardo Da Vinci e a ideia de um artista multifacetado criando coisas tão diferentes e ao mesmo tempo tão coesas me inspirava demais.

Meu desenho em processo, 2014

Quando comecei a animar usando a técnica Stop Motion fui capturada por uma espécie de magia. Depois de tantas horas de trabalho duro, ver algo inanimado ganhando vida e sendo capaz de emocionar pessoas foi uma sensação indescritível. Eu queria mais disso e foi aí que resolvi cursar uma faculdade em São Paulo, na FAAP, que estava abrindo sua terceira turma de bacharelado em Cinema e Animação. Consegui uma bolsa por ter sido primeira colocada no vestibular e assim dei início à minha trajetória profissional costurando palavras e a imagens.

Hoje dedico horas de trabalho para fazer alguns segundos de animação ou para realizar a ilustração de um livro. É assim que funciona: é preciso tempo, paciência e espaço para experimentar, testar, estudar, arriscar e encontrar os caminhos de um projeto. 



Trabalho criando livros, criando ilustrações para as mais diferentes plataformas (revistas,TV, YouTube, podcasts, plataformas de streaming) e também animações (clipes de música, vinhetas de TV, propagandas e filmes). Nem sempre palavra e imagem andam lado-a-lado. Certos trabalhos são guiados pela palavra e a imagem acaba se submetendo a ela. Há também trabalhos nos quais a palavra inexiste, e a imagem comanda. Há alguns trabalhos - como nos livros ou em clipes de música - em que imagens e palavras buscam seu equilíbrio, e tenho um carinho especial quando essa relação se estabelece.


Meu primeiro Sketchbook, 2014. Aulas de "Poéticas Urbanas" com o artista e professor Alexandre Pires.

Nos trabalhos em que colaborei com outras pessoas (a maioria deles), nem sempre as palavras são de minha autoria. Trabalho com músicos, poetas, escritores, arqueólogos, professores e busco uma relação simbiótica na qual me aproprio de suas palavras para gerar imagens com novos significados que componham a totalidade da obra. Essa possibilidade de encontro da imagem com a palavra, onde eu ofereço as imagens, é também minha possibilidade de encontro e colaboração com outras pessoas. Trabalhar desse jeito também me deixa muito feliz. A co-autoria da palavra e da imagem para criar peças artísticas é uma das coisas que mais amo fazer e celebrar essa relação é algo que me sacia como artista.

Deixo aqui a animação "Sociedade Líquida" onde tudo começou.




Sigo por aí, espalhando palavras e imagens pelo mundo.

Abraços,

Nat Grego

7 novembro 2022